CERCEAMENTO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO DOS MILITARES
30-04-2011 20:44
CERCEAMENTO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO DOS MILITARES
Constantemente têm-se notícias de que militares foram punidos com prisão por se manifestarem publicamente, ora por criticar ato de governo ou de superior hierárquico ora por fazer reivindicações por melhoria da condição de trabalho. Com advento do acidente do Boeing 737-800 da companhia Gol com Jato Legaci, no qual morreram 154 (cento e cinqüenta e quatro) pessoas, veio à tona a discussão da liberdade de expressão dos militares e a importância desta manifestação à sociedade.
Em uma entrevista à Folha on line em 17 de abril de 2007[9], na qual se discutia o acidente da Companhia Gol, o presidente da Associação Brasileira de Controladores de Tráfego Aéreo, Wellington Rodrigues, afirmou que na região onde aconteceu o acidente havia um “buraco negro”, uma “zona cega” onde não se tinha visualização por radar e que as informações e problemas eram repassados ao grau superior diariamente, porém nada ou quase nada foi feito para melhorar a segurança do tráfico aéreo no Brasil.
Em 30 de Março de 2007 o Estadão[10] noticiou que o Sargento da aeronáutica, Jonas Teixeira Junior, havia sido preso sob a alegação de insubordinação por registrar, no livro de ocorrências oficial, irregularidades e deficiências que podiam comprometer a segurança de vôo em Salvador, procedimento este que havia sido proibido pelo comando do Cindacta local.
Ora, há quantas décadas o problema na segurança aérea já existe? Era realmente necessária a morte de centenas de vítimas para se cogitar uma mudança ou pelo menos para se discutir o problema?
Infelizmente não, mas a censura estatal sob a égide da “hierarquia e disciplina” levou aqueles passageiros à morte. O que se busca com esse exemplo de repercussão nacional é demonstrar a incoerência das normas militares que punem injustamente a liberdade de expressão.
Assim, as normas militares que cerceam a liberdade de expressão não poderiam encontrar abrigo no atual Estado Democrático de Direito, mas que devido ao abuso de poder dos superiores hierárquicos, bem como a não declaração de que tais normas militares contrariam a Constituição, permitem que os abusos se perpetuem com eficácia no nosso ordenamento jurídico.
Com efeito, os regulamentos disciplinares das Polícias Militares e das Forças Armadas, bem como o Código Penal Militar proíbem a liberdade de expressão dos militares, cominando penas restritivas de liberdade que podem chegar a um ano.
Neste sentido estabelece o artigo 166 do Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969. Transcreve-se o tipo legal:
“Publicar o militar ou assemelhado, sem licença, ato ou documento oficial, ou criticar publicamente ato de seu superior ou assunto atinente à disciplina militar, ou a qualquer resolução do Governo:
Pena - detenção, de dois meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.”
Loureiro Neto[11], em análise do referido tipo penal, aduz que publicar significa tornar público, notório, enquanto criticar significa censurar, dizer mau. Assim configuraria crime a conduta de criticar publicamente, de modo a ser recebido por indeterminado número de pessoas, ato de seu superior ou assunto atinente à disciplina militar, ou a qualquer resolução do governo.
Os regulamentos disciplinares também estabelecem penas de prisão de até 30 (trinta) dias ao militar que manifeste seu pensamento. Remete-se à norma disposta no item 70 e 101 do anexo II do Decreto 1329 de 1978 (Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso), o qual semelhantemente é repetido na maioria dos Regulamentos Disciplinares no Brasil. In Verbis:
“70 - Publicar ou contribuir para que sejam publicados fatos, documentos ou assuntos policiais-militares que possam concorrer para o desprestígio da Corporação ou firam a disciplina ou a segurança”. (item 70 do anexo II do RDPM-MT) (...)
“101 - Discutir ou provocar discussões, por qualquer veículo de comunicação, sobre assuntos políticos, militares ou policiais-militares, excetuando-se os de natureza exclusivamente técnicos, quando devidamente autorizado” (item 101 do anexo II do RDPM-MT)
O Código Penal Militar de 1969 e a maioria dos regulamentos disciplinares militares das polícias estaduais são frutos de um Estado Autoritário, que por mais de décadas cerceou as liberdades fundamentais com fito à proteção a esse mesmo regime, visto que todos eles foram criados com este propósito.
Tais institutos cerceam a liberdade de expressão dos cidadãos militares, afrontando diretamente o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, limitando o direito pleno à vida dos militares e prejudicando a sociedade que somente tem acesso a parte das informações. Informações estas no mínimo manipuladas pelo Estado Militar, que sob a desculpa da “segurança nacional” da hierarquia, disciplina, vem prendendo os militares que ousam exercer o seu direito de liberdade de expressão.
Ao considerar como crime ou transgressão o exercício da liberdade de expressão, retrocede-se ao período inquisitorial, ou pelo menos impedimos que se alcance a democracia plena e de fato.
O Código Penal Militar como os Regulamentos Disciplinares remontam ao período nefasto da ditadura, quase todos criados entre a década de 60 e 80, período cujos objetivos dos governantes eram manter-se a qualquer custo no poder, mesmo que este custo fosse a censura, um cala-boca, aos “anti-governo”.
Toda norma legal tem como escopo a pacificação social o que nos obriga a reconhecer como crime apenas as condutas perniciosas à sociedade, ou seja, somente as condutas que exponham real perigo para coletividade devem ser reprimidas por leis penais que não é o caso da manifestação do pensamento.
A norma penal em um Estado Democrático de Direito exige mais do que a mera tipificação em lei, pois tal requisito isoladamente é inidôneo para cecear as liberdades
Fonte: https://policialbr.com/?xg_source=msg_mes_network#ixzz1L3LDWzRA
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